sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Resultado das eleições em São Paulo: a periferia abandonou a esquerda?

haddad-doria
As áreas mais escuras mostram as zonas eleitorais em que cada candidato teve percentual de votos maior do que sua votação final
Boa parte dos comentários após a divulgação dos resultados da eleição em São Paulo aponta para um elemento decisivo: a chamada “periferia” da cidade, base histórica do Partido dos Trabalhadores, teria, pela primeira vez, abandonado o partido e migrado para outras agremiações. Será?

Por Raquel Rolnik*

Evidentemente, a cruzada de setores da mídia, do empresariado e operadores do judiciário procurando identificar a endêmica e estrutural relação perversa entre os negócios e a política como “roubalheira do PT” teve um enorme impacto sobre as eleições. Além disso, era fundamental para a consolidação das forças políticas que promoveram o impeachment minar a possível resistência de uma cidade com a importância de São Paulo.
Seus efeitos aparecem com clareza na diminuição da participação do PT no quadro institucional municipal de todo o país (prefeituras e câmaras), mas também contaminaram de forma mais genérica o resultado eleitoral como um todo, com um aumento significativo das abstenções, votos nulos e brancos, fenômeno crescente nas últimas eleições e que atingiu os espantosos 38,48% em São Paulo.
Isso nos ajuda a entender a eleição de um “não-político”, ou “antipolítico”, como se autodenominou João Doria Jr. (PSDB), o que, na verdade, já tinha também beneficiado a eleição de Fernando Haddad (PT) em 2012, quando se apresentou como professor universitário sem carreira de político profissional. Em suma, políticos profissionais e política partidária em baixa.
Por outro lado, é necessário também olhar para a própria cidade e sua dinâmica para entender o que ocorreu no dia 2 de outubro. Em primeiro lugar, ao contrário do que uma olhada rápida nos números eleitorais pode fazer parecer, a periferia não “abandonou” o candidato do PT. Nos extremos da cidade, ainda que tenha tido menos votos que o prefeito eleito, Haddad teve uma votação acima de sua média e o resultado de Doria nessas regiões não garantiria ao tucano a vitória em primeiro turno, como mostram os mapas acima.
O pior desempenho de Haddad e do PT, além dos tradicionais bairros da elite paulistana que historicamente votam no PSDB, ocorreu na chamada “periferia consolidada”. São bairros tradicionalmente operários que passaram por processos significativos de transformação urbanística e elevação de renda nas últimas décadas e de onde a população mais pobre foi “empurrada” para mais longe, como a Vila Carioca e Pirituba. Em 2014, na eleição presidencial, Dilma Rousseff já havia perdido em boa parte desses lugares. E desde que PT e PSBD começaram a polarizar a corrida eleitoral na cidade, a disputa por esses territórios é aberta, conforme os mapas abaixo.
2012-2014
Mapas mostram zonas onde cada candidato foi vitorioso na corrida eleitoral para a prefeitura em 2012 e para a presidência em 2014
Além disso, é necessário entender os processos de transformação político-culturais nas periferias. Entre eles está a perda crescente da hegemonia de velhas formas de organização social, como os sindicatos, historicamente responsáveis pela formação de base dos trabalhadores dentro das fábricas, e as associações de bairro, que impulsionaram a urbanização nesses locais por meio da organização de moradores. Em seu lugar, emergiram outras formas de agregação, especialmente as igrejas evangélicas, sem vínculos com o PT ou com valores de justiça social, tradicionalmente identificados como de esquerda.
Sem a formação de base que era feita pelo partido e com narrativa onipresente dos meios de comunicação valorizando o individualismo e a meritocracia, o eleitorado desses bairros é facilmente seduzido por discursos antipolíticos como o de Doria, o “empresário” que “se deu bem”, que “não precisa roubar porque é rico”.
Mas quem pensa que essa mudança veio para ficar, não se engane. Esta eleição – e este é um consenso – foi a mais desmobilizada e a que menos interessou aos eleitores, bastante contaminados pelo ambiente nacional de descrédito com as instituições políticas. A disputa ocorreu justamente no momento em que a cidade é discutida como nunca pela população. Dificilmente quem tem participado da política nas ruas de maneira tão intensa abrirá mão de ser sujeito das transformações.

Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, graduada pela Universidade de São Paulo - SP em 1978. 
Mapas: Caroline Nobre

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